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SAUDADES DOS MEUS PAIS#
SAUDADE DOS MEUS PAIS
Não fui uma criança aventureira, e sim uma criança com vontade de vencer na vida. O mundo em que eu vivia era muito cruel, um mundo onde não existia o conhecimento da evolução. Era nascer, procriar e formar famílias. Existia o poder dos coronéis, que dominavam as terras, e os menos favorecidos eram praticamente escravizados. Eu mesmo não passei por essa situação, mas meu pai contava histórias terríveis sobre esses coronéis. Ele falava também das atrocidades que cometiam contra seus oponentes. Aqueles que desobedecessem apanhavam até a pele se abrir, e depois os mandavam tomar banho de sal grosso para “curar” as feridas. Eu não vivi isso, mas passei por secas, pela falta de alimento, e senti muita fome. Foi por isso que quis fugir de casa. Posso até dizer que foi uma aventura, pois, para a época, era muito difícil um jovem se aventurar, principalmente numa cidade grande. Na realidade, eu queria fugir de algo que não era bom para mim. As dificuldades eram muitas, e eu mesmo não tinha noção do que estava fazendo. Só sabia que queria sair daquele lugar. Mesmo sendo criança, já entendia que ali não havia futuro para mim. Minha única certeza era a vontade de ir embora. O que eu queria era um mundo melhor para mim e para minha família, e para isso precisava sair da casa dos meus pais. Mas para onde ir? Só sabia que, se quisesse um futuro melhor, tinha que ir para uma cidade grande, onde pudesse estudar, trabalhar e ganhar dinheiro para ajudar minha família. Meu pai nos deixou aos noventa e sete anos de idade. Na época, eu estava finalizando um trabalho quando soube que ele havia sido internado em estado muito debilitado. Pouco depois, entrou em coma. Somos uma família muito grande e, dos dez filhos, só eu ainda não tinha ido visitá-lo. Muitos netos também já o haviam visto, só faltava eu. Assim que finalizei o trabalho, pedi licença e viajei para vê-lo. Cheguei a Fortaleza por volta de duas horas da manhã. Resolvi não dormir lá e seguir direto para Itapipoca, onde ele estava internado, a cerca de três horas de Fortaleza. Cheguei ao hospital por volta das quatro e meia da manhã. Naquele horário, as visitas não eram permitidas, mas, com o famoso “jeitinho brasileiro”, consegui entrar até a enfermaria onde ele estava. Lá, encontrei um corpo inerte, com o coração dando suas últimas batidas. Fiquei ao lado dele por alguns minutos e depois fui descansar na casa do meu irmão. Meia hora depois, me avisaram que meu pai havia falecido. Ele só estava me esperando para se despedir no silêncio da morte. Naquele momento, perdi o homem que eu amava. Aos quatorze anos, fugi e fui morar em Fortaleza. Cinco anos depois, aos dezenove, resolvi dar um passo ainda maior: me arrisquei a tentar a vida no Rio de Janeiro. Era uma cidade completamente desconhecida para mim, sem parentes, sem conhecidos, sem qualquer noção de como começar uma nova vida sem problemas. Mas, graças a Deus, tudo deu certo. Só depois de sete anos voltei ao Ceará para visitar minha família. O tempo foi passando, e, a cada ano, eu ficava mais distante deles. No fundo do meu coração, sempre os amei, assim como amo minha família hoje. Mas eu nunca fui um filho amoroso com eles. Ao contrário de mim, eles demonstravam um grande amor por mim. De certa forma, eu os via quase como estranhos. Eu os amava, mas não sabia demonstrar. No entanto, faria tudo o que estivesse ao meu alcance por eles. Hoje, sem eles aqui, sinto uma imensa falta. Como eu gostaria de poder dizer o quanto os amava! O conselho que quero deixar é: deem mais carinho aos seus pais, valorizem-nos e digam sempre que os amam. Os pais nunca querem o mal dos filhos, apenas o seu bem. E não se esqueçam: o maior bem para um pai é o próprio filho. Sou pai e sei o valor de ouvir meu filho dizer que me ama. Sei que agora é tarde, mas como eu gostaria de ter dito: “Como eu os amava!” Hoje, peço a Deus que os ilumine e que descansem em paz.
Ademi Gomes
Enviado por Ademi Gomes em 05/03/2025
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